sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Traição & Rockenroll

"we're just two lost souls" - Wish You Were Here (Pink Floyd)

1980
                O relacionamento deles, assim como o de muitos casais, começou com o pé esquerdo. Era o primeiro encontro deles e assim que ela se sentou no Fusca 78 a primeira coisa que ele disse foi: “Nesse Fusca só toca rock!” (ao invés de dizer como ela estava bonita.) - Ela gostava de sertanejo. Mas não pense você que assim como muitos homens, que são subjugados pela opinião feminina, ele mudou de opinião.  Naquele Fusca só tocou Rock! – Na semana seguinte ele comprou um Corcel, onde ela prontamente colocou para tocar uma fita “das Gargantas de Ouro do Brasil” (Milionário & José Rico).

2011

                Certos casais (acredito que a maioria) passam a ter problemas quando chegam a certo período de casamento. Perdem o fogo da paixão. O homem, antes com aquele tanquinho, frequentador assíduo da academia, com um grande futuro pela frente, vira aquele careca, barrigudo, que agora tem um emprego normal numa fábrica da cidade e que passa o domingo à tarde assistindo futebol com uma latinha na mão. A mulher, antes sedutora até no jeito de falar, com suas curvas, coxas largas, cintura fina, seios que saltavam o decote e a comissão traseira perfeita, passa a ter celulite, pneus, e nada mais faz além de fofocar coisas inúteis. (É, talvez haja alguma razão para que a paixão acabe e os problemas apareçam). Se para a maioria dos casais, até mesmo para as “Almas Gêmeas” isso acontece, para eles que começaram com o pé esquerdo, isso haveria de ser bem pior.
                Havia dois meses que a casa ao lado tinha sido alugada. Alugada para uma mulher de aproximadamente 30 anos (corpo de 25), mãe solteira de um garoto de 15. (Sim caro leitor, gravidez na adolescência não é só coisa do século 21, não). Havia também cerca de 2 meses que José saia de casa todas as segundas e quartas à noite. (Segunda, “ele tinha futebol com os amigos”. Na quarta, “ia ao bar assistir a rodada do meio de semana do Brasileirão” ao lado de uma loira gelada). Era também, há aproximadamente 2 meses nas segundas e quartas, que as luzes da casa ao lado se apagavam e somente a luz de um abajur iluminava o quarto dos fundos. Que um homem (nunca identificado devido à lâmpada do poste da rua estar queimada) entrava na casa, 15 minutos depois de José sair. E que um som ensurdecedor soava alto pela vizinhança.
                Nos últimos anos (talvez décadas) a traição se tornou algo comum. Muito freqüente em casais com desentendimentos, mas também presente nos casais que se dão bem. Há quem diga que “pular a cerca” faz bem. (Bem talvez só faça ao advogado que sabe que isso só irá aumentar os casos de divórcios e consequentemente seus honorários). Apesar disso, Cristina não queria saber de traição alguma. Sabia que o seu casamento não era lá as mil maravilhas, mas não aceitaria a traição como uma forma de melhorar a relação com José. Mas, se para ela a traição não era uma saída, José não achava assim, as evidências eram claras: Todas as segundas e quartas um homem frequentava a casa da vizinha, as luzes ficavam apagadas, e tudo isso durante o período em que José supostamente estava jogando ou assistindo futebol. O som alto (conhecido de certo tempo atrás) ajudava a abafar os gritos e gemidos de prazer da sirigaita da vizinha. Isso sem falar nas sombras geradas pela única luz da casa, o abajur do quarto, que mostravam as posições mais diferentes e sensuais na quais os dois corpos se envolviam.
                Ela não iria aturar mais aquilo em silêncio. Saiu correndo em direção a casa onde o oba-oba acontecia. O portão estava só encostado e a porta destrancada. Entrou. Foi ligando as luzes até chegar ao quarto. Parou por um instante. Não sabia se era forte o suficiente para ver aquilo. Mas não tinha vindo até ali para desistir agora. Abriu a porta e todos seus temores se confirmaram. Não conteve o grito ao ver José: “TRAÍRA! VAGABUNDO! CACHORRO!”. Foi então que percebeu que no quarto, José não estava com a vizinha, mas sim com Flavinho, o filho dela. E que em seu colo, não estava a mulher que então pensava ser uma sirigaita (muito menos Flavinho, caro leitor. Por favor, não se precipite). No seu colo, estava sua velha guitarra, uma raridade que havia escondido desde que havia começado a namorar Cristina.  O som alto, que ela pensava que era para abafar os gritos de prazer, na verdade, era o quê José fazia todas as noites que saia de casa. José não a estava traindo, mas sim, tocando “rockenroll”, prazer que lhe fora renegado com o início de namoro. Tocava com Flavinho os grandes clássicos dos Beatles, Pink Floyd, Queen, Stones e Dylan.
                Envergonhada, Cristina saiu silenciosamente do quarto. Ao chegar em casa, pôde ouvir a melodia que variava de Dó passando por Ré e chegando à Fá sustenido e ouvir José cantar:
                “So, so you think you can tell
                Heaven from hell
                Blue skies from pain…”



2 comentários:

  1. Escrevi esse texto pra aula de Português. Achei que ficou legal, sei lá. Decidi publicar aqui. Não creio que volte a postar tão cedo aqui novamente. O meu tempo (ou a falta dele) não me permite mais isso.

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  2. olha esse guib escritor de crônicas e pá haha

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